Os grandes bancos brasileiros intensificaram a movimentação para lidar com o volume crescente de créditos em atraso. Itaú Unibanco, Banco do Brasil (BB), Bradesco e Santander negociaram pelo menos R$ 26,4 bilhões em carteiras no ano passado, um crescimento de 128% em relação a 2015. A Caixa Econômica Federal suspendeu as operações em junho do ano passado por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), mas até então também atuava de forma ativa na venda de créditos.

A expectativa é que o volume dessas operações aumente ainda mais neste ano. Só a venda estimada de dívidas que já foram baixadas a prejuízo e consideradas de difícil recuperação deve alcançar neste ano algo entre R$ 30 bilhões e R$ 35 bilhões. Trata-se de volume relativamente pequeno em comparação ao tamanho do mercado de créditos em renegociação no país, que hoje é da ordem de R$ 400 bilhões, segundo Fernando Omori, sócio da empresa de auditoria e consultoria KPMG.

 

Embora as cifras desse mercado sejam bilionárias, os bancos efetivamente recebem apenas uma fração do chamado valor de face dos créditos – em um percentual que não costuma passar de 2% das carteiras baixadas a prejuízo. Os maiores ganhos da operação para as instituições vêm da parte fiscal e de custos operacionais. A estratégia para lidar com esse passivo também pode influenciar os índices de inadimplência e o patamar de despesas de provisão contra calotes, segundo analistas.

Os financiamentos que não são pagos costumam “pesar” no balanço e nos índices de inadimplência dos bancos por até um ano, caso não sejam negociados. Após esse prazo, as instituições reconhecem a perda de 100% do empréstimo e baixam a operação a prejuízo, mas continuam o trabalho de cobrança da dívida. Quanto maior o período de atraso, menor a chance de recuperação e o valor desse crédito em um eventual acordo.

Com o agravamento da crise, o volume de carteiras em atraso, baixadas ou não a prejuízo, tem se acumulado nas áreas de cobrança dos bancos. “A recessão fez com que os bancos saíssem da zona de conforto e começassem a vender os créditos”, afirma Godofredo Barros, sócio da Ipanema Credit Management, que tem R$ 13 bilhões em valor de face nas carteiras sob gestão.

O Itaú intensificou a cessão de créditos no fim de 2015 após a compra da Recovery, empresa de recuperação de créditos em atraso que pertencia ao BTG Pactual. No ano passado, o maior banco privado brasileiro cedeu um total de R$ 13 bilhões em créditos para a companhia, a totalidade desse valor em carteiras já baixadas a prejuízo. Em uma das operações, os créditos foram vendidos por apenas 0,3% de seu valor de face.

A venda de carteiras não rende muito dinheiro, mas é positiva para os bancos porque esses ativos geram créditos tributários, que podem ser usados de uma só vez para deduzir no pagamento de imposto. No caso do Itaú e de bancos que possuem suas próprias empresas de recuperação, outro ganho fiscal vem do fato de as receitas serem tributadas com uma alíquota menor que a do banco. Ou seja, cada real recuperado pela empresa gera um resultado líquido de tributos maior do que o mesmo valor recuperado pelo banco.

O Itaú também fez operações de venda de R$ 5 bilhões em créditos que estavam no balanço ao longo do ano passado. Para um analista, essa estratégia de cessão de carteiras ativas pode ajudar a explicar o desempenho relativamente melhor das despesas de provisão contra calotes do banco em relação a seus concorrentes. O Itaú informa no balanço, contudo, que as operações realizadas em 2016 não tiveram efeito nos índices de inadimplência.

O Bradesco, que tradicionalmente é o banco com mais restrições à venda de créditos “podres”, também adotou a prática no fim do ano passado, com uma carteira de R$ 2 bilhões em valor de face. Foi apenas a segunda operação do tipo na história da instituição, que carregava esses financiamentos em atraso desde a aquisição da financeira Zogbi, em 2003. A carteira foi vendida em um processo de leilão, vencido pela Ativos, empresa de recuperação de créditos do Banco do Brasil

O banco público constituiu a Ativos em 2003, inicialmente para lidar com os próprios financiamentos. Apenas no ano passado, o BB cedeu R$ 5,6 bilhões em créditos já baixados a prejuízo para a empresa controlada. Mas a aquisição dos financiamentos do Bradesco pode sinalizar uma mudança na estratégia da companhia, que anteriormente já havia comprado carteiras da Caixa Econômica Federal.

Com uma grande massa de financiamentos em atraso, fruto da expansão da carteira nos anos anteriores, a Caixa começou a atuar de forma mais frequente na venda de créditos como uma forma de “limpar” o balanço. Desde o início de 2015 até a suspensão das operações pelo TCU, por indícios de irregularidades, o banco havia vendido R$ 15,8 bilhões em financiamentos, dos quais R$ 5,7 bilhões em carteiras que ainda estavam no balanço. A expectativa é que a Caixa reverta a decisão e volte a mercado neste ano. Analistas estimam que há um estoque de R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões em valor de face de créditos podres represados que poderiam ser negociados.

Alinhado com as práticas de bancos internacionais, o espanhol Santander é quem se vale da cessão de carteiras com maior recorrência no mercado brasileiro. A instituição não informa o volume de créditos já baixados a prejuízo negociados no ano passado, mas o volume de cessões de financiamentos em atraso superior a 180 dias que ainda estavam no balanço foi de R$ 267,8 milhões. Recentemente, o banco colocou à venda um lote de pouco mais de R$ 1 bilhão em créditos em atraso, segundo fontes de mercado.

Procurados, os bancos não quiseram fazer comentários sobre o tema.

Não são apenas os bancos que contam com créditos à venda. Os fundos de pensão e de recebíveis (FIDCs) também estão dispostos a negociar suas carteiras, segundo Rafael Fritsch, sócio da gestora Canvas Capital, que possui R$ 4 bilhões sob gestão, sendo R$ 1,2 bilhão destinados a créditos inadimplentes, dos quais R$ 650 milhões já foram investidos. “As carteiras de crédito [em atraso] dos bancos vão ficar muito grandes e as vendas serão mais naturais”, afirma.

Se a crise aumenta o volume de créditos em atraso, também dificulta o processo de recuperação por parte das empresas que adquirirem essas carteiras. Isso faz com que o preço oferecido a bancos e outros detentores desses financiamentos tenda a ser mais baixo, segundo Alexandre Nobre, sócio da RCB Investimentos, que possui R$ 22 bilhões de valor de face em créditos inadimplentes sob gestão. “Em um ambiente de crise, a margem para erro na hora de dar preço às carteiras é muito menor”, diz. A gestora tem entre R$ 800 milhões e R$ 1 bilhão para investir nesses ativos neste ano.

fonte: Valor